Introdução à 8a jornada do Institut psychanalytique de l'Enfant du Champ freudien *
Tenho o prazer de apresentar-lhes o tema da próxima Jornada de estudo do Instituto Psicanalítico da Criança do Campo Freudiano. Como acontece a cada dois anos, ele resulta de um intercâmbio com Jacques-Alain Miller e este ano, dentre as temáticas que circularam, a preferência ficou com: "Sonhos e fantasmas na criança".
Por que essa preferência? Nesse título, se evidencia um diferencial fenomenológico entre sonho e fantasma que cabe a nós esclarecer.
De fato, facilmente se diz que uma criança sonha; ocasionalmente isto encanta o seu entorno, ou o inquieta, se o sonho assume a forma de pesadelo. As próprias crianças, desde muito cedo, falam de seus sonhos. Os praticantes que somos, muitas vezes questionamos as crianças que encontramos acerca do conteúdo de seus sonhos.
Em contrapartida, seja no discurso corrente ou no discurso erudito, não se diz [em francês] que uma criança construa seu fantasma. O termo fantasma [fantasme], na língua [francesa], foi aspirado pelo campo semântico das fantasias sexuais, tal como estaria hoje condensado em um catálogo erótico-pornográfico da internet. Consideramos que há aí a indicação de um deslocamento e de uma condensação de um valor de gozo em relação a uma representação imaginária.
Contudo, uma psicanalista colocou muito cedo o fantasma no centro da vida psíquica das crianças e de seu tratamento: Melanie Klein, essa "mulher de talento"[2], tal como a designa Lacan, que soube identificar o valor de gozo de certas representações imaginárias. Em um texto de 1936 intitulado "Sevrage", ela escreve: "o trabalho analítico mostrou que os bebês de alguns meses de idade entregam-se definitivamente à construção fantasmática.
Acredito que seja a atividade mental mais primitiva e que as fantasias ocupam o espírito da criança pequenininha, mais ou menos desde o seu nascimento"[3] Esse caráter radical da posição kleiniana não assusta Lacan. Pelo contrário, aponta, segundo ele, um caminho possível para considerar o fantasma como uma pequena máquina por meio da qual se efetua um enlace entre a gramática do inconsciente e sua dimensão pulsional, tal como indicam suas inúmeras referências a M. Klein nos Seminários 4, 5 e 6.
Em relação ao sonho, acontece de uma criança passar facilmente do relato de seu sonho para um relato que nos parece tomado de empréstimo de histórias ouvidas, contos, filmes e até jogos eletrônicos, todo tipo de histórias que podemos então considerar como material associativo cuja forma desdobrada é muitas vezes designada pejorativamente como fabulação. Que indicações isto nos dá? Constatamos primeiramente que o relato do sonho e suas associações, que constituem um segundo relato, têm a mesma estrutura, uma estrutura de "ficção". Notemos, contudo, que nem todas as associações são da mesma ordem: algumas seguem o rastro dos significantes que se isolaram no relato do sonho, que as sublinham e trabalham para fazê-las significar no campo da subjetividade, ou seja, do desejo; outras difratam o efeito de significação, impossibilitando encontrar o caminho de um desejo, o que é chamado de fabulação, e mesmo de mitomania. Neste segundo caso, encontramos não mais vestígios legíveis, decifráveis, mas linhas de fuga que apontam para algo que aparentemente escapa ao trabalho do sonho, o de tornar "apresentáveis" as coisas "pouco apresentáveis", mas podendo também indicar um modo primário de cernir, de circunscrever o irrepresentável: o que Freud nomeou como umbigo do sonho. Remeto-os aqui à resposta de Lacan a Marcel Ritter[4].
Existem, portanto, dois caminhos para o trabalho do sonho que se abrem a partir do material significante: o do desejo, por meio do qual a realidade se constrói; e aquele que cava o buraco por onde toda realidade escapa em direção a um impossível de representar.
Notemos que a própria criança ocupa esses dois lugres: o voto de tornar apresentável na realidade o desejo de seus genitores; o temor de vir a apresentar um contratempo à trama de seus ideais. São duas faces da mesma moeda, com a qual se paga o preço da angústia.
Através dessas duas faces, o caminho do significante aberto pelos sonhos da criança, permite-nos apreender esta frase de Lacan que J.-A. Miller destacou: "Foi por aí que Freud caminhou. Ele considerou que tudo não passa de sonho, e que [...] todo mundo é louco, ou seja, delirante"[5]. "Tudo não passa de sonho": entendo nisto a indicação positiva de levar em consideração as falas da criança como tendo o mesmo valor que os significantes do sonho, o valor de fazer o sujeito nascer ao mesmo tempo para a realidade e para o desejo.
Nos primeiros capítulos do Seminário 14, A lógica do fantasma, recentemente publicado pelas edições Seuil e pela editora do Campo Freudiano, Lacan construiu para o fantasma, logicamente, uma superfície prêt-à-porter[6]. Superfície que ele diz ter dois nomes: "desejo e realidade"[7]. Superfície que ele metaforiza como um "estofo [...] tecido de tal modo que se passa de um lado a outro sem dar-se conta disto, pois é sem corte e sem costura". Eis sobre qual superfície significante se desloca a criança quando faz o relato de seu sonho e nele dá "explicas"[8]. Explicas é uma bela palavra, um neologismo – substantivo proposto por Lacan na sua "Conferência de Genebra sobre o sintoma" – que condensa 'explicação' e 'réplica', ou seja, o que responde ao apelo dos significantes que se formaram no sonho. Por meio dessas explicas, o significante "engendra o que não está lá, na origem, [a saber] o próprio sujeito"[9].
Nesse movimento, recolhemos da boca da criança ao mesmo tempo os rastros que vão constituir os caminhos de seu desejo – ou seja, os significantes que delimitam os cruzamentos, que descrevem uma paisagem, que sublinham os traços de um personagem, de um animal devorador, que localizam o olhar que se isola ou a voz que se faz ouvir – e os mesmos significantes que vão balizar a realidade na qual seu corpo se insere. Essa realidade "humana" não é, portanto "nada além de uma montagem do simbólico e do imaginário"[10], os semblantes que delimitam a moldura na qual circula e se fixa o desejo. Lacan define então a realidade como o "pronto-para-usar [pret-à-porter] o fantasma". Deste modo a realidade se edifica sobre os mesmos semblantes que o desejo, mas é uma moldura que tem vazamentos, resíduos que formam o "núcleo elaborável do gozo[11]" que o fantasma acolhe.
Esse trabalho do fantasma é o que recolhemos nos jogos da criança, nas suas pantomimas, nos seus desenhos, e ganharemos ao tratá-los com o mesmo rigor gramatical que demonstram ter Freud, Lacan e Miller nas suas análises do fantasma "Bate-se em uma criança". Veremos então aparecer mais claramente o objeto em questão, pois está em vias de ser perdido. Mais uma vez, o pequeno Hans será nosso guia: evoquemos aqui a fantasia das duas girafas, a grande e a pequena, a que é "amarrotada"[12] por Hans e na qual ele se senta, provocando gritos da grande. E notemos o recurso que o menininho encontra em seu sobrenome, Graf, como apoio para essa fantasia.
No final de seu Seminário 14, Lacan define o fantasma da seguinte forma: O fantasma tem duas características – a presença de um objeto a e, por outro lado, nada mais do que aquilo que engendra o sujeito como $, a saber, uma frase"[13]. Uma criança faz a grande girafa gritar, faz seu pai gritar, e a voz surge, aquela que a criança convoca através de seus votos para encontrar seu lugar no desejo que a leva em direção à sua mãe, doravante inter-dita, desde o sonho de angústia da entrada na sua fobia, que fazia da mãe uma mamãe que tinha ido embora[14], a partir de então inacessível.
Esse objeto a, "impossível de eliminar"[15], nós o veremos deste modo surgir ao longo das cadeias significantes que a criança articula nos seus sonhos e brincadeiras, desde que lhe tenhamos dado o seu devido lugar, o de ser portador desse "valor de gozo [que] está no princípio da economia do inconsciente"[16].
Seja nos tratamentos que conduzimos ou nas instituições em que acolhemos e acompanhamos crianças, com a finalidade de educá-las ou de tratá-las, para aquelas que mais sofrem, estas indicações de Lacan são um convite a nos formarmos nesta lógica do fantasma. É nossa oportunidade e a oportunidade a dar às crianças que encontramos. A oportunidade de se deslocar nos discursos de dominação que buscam assujeitá-las e a ocasião de encontrar um lugar para os objetos gadgets que nossa civilização lhes oferece aos montes. Como? Pois bem, explorando com cada criança os significantes-mestres que fazem dela sujeito, e o sonho permanece aqui a "via régia" [17], na medida em que lhe damos lugar "nessa parte reservada do corpo em que o gozo pode se refugiar"[18], que se chama objeto a.
Trata-se efetivamente de forjar as ferramentas para nos opormos ao despejo das crianças do mundo dos semblantes – tal como se articulam entre sonhos e fantasmas – pelas normas e avaliações, despejo pelas identidades impostas, despejo pelo desprezo à fala da criança, na medida em que ela se tece entre enigma e fixação de gozo.
No mercado dos discursos de nosso tempo, o discurso analítico traz algo novo, pelo que somos responsáveis, e para estar em pé de igualdade, impõe-se a nós uma sólida formação, análise pessoal e intercâmbios com "alguns outros", para levar em conta que uma criança, como todo falasser, está "sujeita ao gozo", como diz Lacan em algum lugar que estamos "sujeitos ao pensamento ou sujeitos à vertigem"[19].
O Institut Psychanalytique de l'Enfant continua a se inscrever nessa perspectiva, que é ao mesmo tempo clínica, epistêmica e política.
Tradução: Teresinha N. M. Prado
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